quarta-feira, 20 de abril de 2011

BE OR NOT TO BE

Como meu tempo está escasso e minhas idéias pouco criativas, posto de um texto escrito há uns dois anos. De todos, é o que mais gosto, principalmente pela nostalgia que ele me traz. Ele foi reeditado, mas ainda mantém as idéias principais do texto original.

* * *

Não sei se foi Nietzsche que escreveu que a autodescrição é uma das maiores pretensões humanas. Acredito nisso, por isso sempre relutei em responder a esta pergunta tão taxativa e constrangedora. Falo disso porque todas as vezes que deparo com uma autodescrição, caio nas reservas e nos limites que um “Eu sou” requer. E, foi tentando fazer isso que percebi, naturalmente, como estas questões são sorrateiramente traiçoeiras. Então, mesmo correndo o risco de me contradizer, comecei a aceitar que sou apenas aquilo que penso que sou – e olhe lá! Aceito as discordâncias, claro, mas não há como fugir de que ninguém entende mais da minha vida do que eu mesmo, apesar de muitas vezes não ter certeza desse argumento.

Nasci Lúcio Flávio, uma junção de nomes próprios que soaria perfeita, caso eu protagonizasse uma novela mexicana. A verdade é que esse nome foi copiado de um cartaz de filme nacional. A tragédia poderia ter sido pior, quase fui batizado como Anselmo!. Opção foi feita e hoje tenho dupla identidade, virei Flávio para família e Lúcio para os amigos. Os mais íntimos me chamam como querem e isso me agrada pela possibilidade de ser um, dois, três ou vários.

Acredito que minha vida como Lúcio Flávio tenha começado cartorialmente em 1980 ou bem depois. Não lembro! Minha primeira lembrança é de 1983. Depois as coisas ficam confusas até 1987 que é a partir de quando consigo lembrar de quase tudo: desenhos do globo, minha lancheira do Jaspion, do lançamento do filme Tubarão de Spielberg, bonecos Star Wars, meu saxofone branco, meus animais de plástico, as imagens da queda do murro de Berlim em 89, meus gibis da Mônica, o cavalo mordendo o olho do meu amigo, meu primeiro LP do Iron Maiden, etc. Da mesma forma, consigo lembrar do rosto da maioria das pessoas que conheci.

Em minha carteira de trabalho constar apenas que trabalhei como técnico em informática, quando na verdade também já fui secretário de imobiliária, professor de cursinho, editor de fanzine e sócio de loja de quadrinhos. Já ganhei prêmio de festival de cinema, redação, desenhos e maquetes.

Já quis ser o Woody Allen. Depois o Caio Fernando Abreu. Antes disso eu quis ser o Saramago, depois o Fernando Pessoa. Também já quis ser o MacGyver e o Steve Jobs. Nada disso deu muito certo e, portanto comecei a aceitar (o óbvio das obviedades!) que eu não tinha cacife para ser ninguém senão eu mesmo. Há quem diga que está dando certo.

Já tomei remédio para diarréia, cólica, sarampo, dor-de-cabeça, insônia, depressão, dor muscular, picada de abelha, dor-de-dente, dor-de-ouvido, frieira, gripe, para problemas do coração e entres outras doenças que imaginei ter. Parei com isso. Não tomo mais remédio para nada e a minha vida vai bem, obrigado. Consulto médicos apenas para fazer exames de sangue regulares. Mas não sei por que estou dizendo isso. Ou talvez eu saiba, por falta do meu remédio para esclerose.

Sou compulsivo por livros, revistas e camisetas. Meu ouvido para música é diversificado e, às vezes, xiiita. Principalmente, com o que não gosto. Também não gosto de ver televisão, mas sou viciado em séries e filmes.

Paro por aqui, concluindo com as palavras de Clarice Lispector, “sou mais aquilo quem em mim não é”. “Não sei viver de mentiras. Não sei voar de pés no chão Sou sempre eu mesma (o), mas com certeza não serei a(o) mesma(o) pra sempre”. Por isso, eu posso ser divertido e interessante para alguns e arrogante e pretencioso para outros. Não me importo com os últimos! Hoje minha única encucação é tentar não esquecer a simplicidade das coisas a medida que divago sobre como eternidade que nos cerca é assustadoramente incompreensível. No mais, eu sou uma pergunta !

sexta-feira, 15 de abril de 2011

AMORES, CACHORROS E DESILUSÕES TELEVISIVAS


Essa é a reedição de uma história real publicada em meu outro blog, não mais existente. A história perdeu a validade, mas ainda me faz rir quando lembro dos fatos. Para os críticos, sim, eu me divirto com a ignorância alheia.

* * *

Era um domingo comum, desses que o clima é convite a companhia ou a preguiça desmedida de querer ficar em casa. Nos últimos meses, ele vivia eufórico e a razão disso era o namoro com aquela mulher de longos cabelos castanhos e semblante gentil, acreditando ser este a síntese de um romance de José de Alencar.

Naquela tarde, sentada sobre as almofadas do sofá, ela zapeava as centenas de canais que a TV por assinatura ofertava. No quarto, ele remexia sua extensa coleção de cd´s à procura de alguma música que desse o clima necessário àquela tarde romântica. As músicas selecionadas foram uma seqüência de temas melosos e rotineiros do casal, mas que ela, com seu parco conhecimento musical, esforçava-se para lembrar que eram as bandas. Identificou apenas uma e ele, apaixonado, só pensava na maravilha de estarem juntos.

Sentaram-se juntos, o barulho plástico do sofá ocre e recém encapado exprimia a percussão natural de corpos que ocupavam o mesmo espaço, convenientemente. A sinfonia de respirações só foi quebrada pelo som do telefone que insistentemente tocava, reclamava e cada vez mais alterava a dinâmica do casal. Ele atendeu ao telefone e entre a reciprocidade de olhares com ela e o fim do telefonema constatou que a casa precisava ser limpa, afinal a fatiga da limpeza é imperiosa, mesmo quando a companhia é agradável.

Já com o fim da tarde, ele, esperto, formulava meios de estender o tempo que passavam juntos, atitude natural em uma situação como a deles.
- Marina? – Falava ele, em uma voz afetada por um tom pausado. Marina? Tá com fome?
- Eu? – dislexamente respondeu.
- Quer comer alguma coisa? – insistia.
Fitando-a aguardou uma resposta. Depois, estendeu o braço e pediu que levantasse e o abraçasse. Tinha ciência de seus atos piegas, mas apreciava esses atos novelescos.
- Um suco? Sei lá! Nada, não! – finalmente respondeu.
- Ahn ! Nada. – ela firmemente decretou.
- Então ta! Se você não tá como fome, mais tarde preparo alguma coisa – disse ele.
- Ok ! - Sentenciou economicamente, como de costume. Mas que na verdade incitava uma adulação a seu temperamento mimado.
- Hein? Se você quiser comer algo peça! - Afirmava ele.
- Não, nada não – Reforçava ela.
A cena parecia retirada de um filme clichê, o homem apaixonado a disposição da mulher que namorava.
- Nossa! Eu quero ver ! – disse ela repentinamente como se tivesse um grande público como expectador.
- O que houve? - perguntava ele, olhando em volta à procura de algo que merecesse manifestação tão grandiloqüente.
- Vai passar o Tin Tin na TV, acabei de escutar. Adoro! Você vê comigo? – Falava empolgada.

- Claro! Eu via muito o Tin Tin. Tinha até os quadrinhos - Por um momento dispersou-se e ela esfregando seu nariz o trouxe ao mundo dos vivos.

- Vai começar – afirmou ela, beijando-o pela centésima vez.
Passado os créditos iniciais e vozes em off, os personagens se apresentam coloridamente.
- Bacana! Muito bom – dizia ele entusiasmado.
Minutos depois, percebeu que ela franzia as sobrancelhas num sinal claro de desapontamento e incredulidade.
- O que tá acontecendo? - Perguntou inquieto.
- Nada, não ! - disse.
- Fala amor! - ele insistiu.
- Não gostei!– resmungava ela em uma voz baixa, quase inaudível.
- De que você não gostou? – perguntou.
- Do programa, não é como eu pensava! – Afirmava resolutamente e fitando-o nos olhos.

- Por que você não gostou? - ele questionava sem entender os motivos.
- Você ficou toda alegre quando passou o comercial. Disse que queria assistir e agora desiste! Não entendo qual é! – continuou.
- É, sim! Mas passou todo esse tempo e não vi o cachorro – ela finalmente falou .
Ele estatizou e por um minuto respirou fundo, se curvou para buscar um copo suco e o tomou como se quisesse fugir do assunto, emudecer.
- Cachorro? – Repetiu, já sabendo do que se tratava.
- Sim, o cachorro! Quando eu assistia Tin Tin tinha um cachorro. Eu lembro disso! – afirmava ela, didaticamente.
Ele tossiu. Depois como se esperasse uma repreensão falou baixinho.
- É Rin Tin Tin que você assistia, amor! O que tá passando na TV é Tin Tin, o desenho animado. Eles são totalmente diferentes! – finalizou ele.
- Ah ! Não quero saber ! – Bravejou ela.
Do fato e em um raro momento de razão emocional, pensou: Ainda bem que é bonita!.

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